E se fosse Saulo, não Paulo?

Penso que a figura de Paulo só surgiu porque Saulo desviou da rota planejada.

Vindo para as “ovelhas perdidas da casa de Israel”, nada na vida de Jesus mostra a iniciativa de fundar uma nova religião. Com certeza, sua revelação era uma oportunidade de avanço, mas ele não veio “destruir a Lei” e sim dar cumprimento à mesma – ele sempre questionou as exterioridades e a hipocrisia, mas nunca a essência da Lei.

No entanto, ele sabia que o amor ainda não seria suficiente para motivar essa renovação. Era preciso que o movimento viesse de dentro, do próprio colégio dos Doutores da Lei. Acredito que esta era a missão de Saulo: com seu conhecimento, sua dedicação, sua força moral, e com o apoio de outros membros importantes, tais como Gamaliel, ele poderia promover a aproximação do Judaísmo com a proposta de Jesus.

Mas não funcionou assim. A soberba de Saulo literalmente causou sua cegueira, a ponto de ser necessária a intervenção do próprio Mestre. Perdida a autoridade entre os seus, vemos surgir a figura de Paulo e, com ele, as bases práticas e teológicas de uma religião nova e diferente.

Em um paralelo, também penso que algo assim aconteceu com o movimento espírita. Há uma distância facilmente perceptível entre a prática de Kardec no estabelecimento da nova doutrina e o movimento espírita que se estabeleceu no Brasil no século XX.

De um estudo de caráter científico-filosófico universalista, com consequências morais, passamos a mais uma religião cristã, entre as tantas já existentes no Brasil. Práticas, discurso e estruturas foram importadas de outras denominações, em especial a católica.

A história se repete, e mais uma vez, na curta história humana, corremos o risco do conhecimento da realidade espiritual ser encarcerado em grades iniciáticas.

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