Linguística

Mecanismos gerativos

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MATOS, E. E. S. LUDI: um framework para desambiguação lexical com base no enriquecimento da semântica de frames. 200 p. Tese (Doutorado), Universidade Federal de Juiz de Fora, 2014.

Uma questão fundamental, subjacente a este trabalho, é referente ao problema da seleção argumental (argument selection), ou seja, a relação existente entre o tipo de um argumento conforme requerido pelo predicado e o papel que este argumento tem na computação do significado da sentença. Pustejovsky (2006) discute a Decomposição Lexical e a Teoria de Tipos, mostrando que na teoria padrão de seleção considera-se que existe um inventário de tipos, associados com as entidades do domínio. As restrições selecionais impostas aos argumentos pelo verbo são herdadas do tipo associado com aquele argumento, de acordo com o tipo funcional atribuído ao verbo. Estas restrições são geralmente fracas e, se outras restrições devem ser impostas ao argumento, estas são construídas como pressuposições durante a interpretação.

Como apresentado na seção 3.2 (Teoria do Léxico Gerativo), a abordagem da TLG difere da teoria padrão em dois aspectos. Primeiro, as restrições selecionais impostas aos argumentos dos verbos tornam-se, de forma transparente, parte do tipo do próprio verbo. Isto implica em enriquecer o sistema de tipos manipulados pelas regras de composição (o que leva a TLG a trabalhar com um sistema de tipos em três níveis: tipos simples ou naturais, tipos unificados ou artefatuais e tipos complexos ou dot-types). Uma segunda diferença é que os mecanismos de seleção disponíveis não são apenas a aplicação de uma função aos seus argumentos, mas envolvem três operações sensíveis aos tipos: co-composição (matching), seleção e coerção de tipo, apresentadas brevemente na seção 3.2.

Jezek e Lenci (2007), investigando a questão dos tipos semânticos e do fenômeno de coerção em relação a dados retirados de corpus, argumentam que os mecanismos gerativos no léxico, segundo a TLG, tem tanto uma perspectiva paradigmática quanto sintagmática. O aspecto paradigmático está relacionado a geratividade do sistema de tipos, uma vez que a estrutura qualia e as operações “dot” permitem criar tipos lexicais multidimensionais. Já a geratividade composicional, através das operações de composição que mudam e criam tipos no contexto, constitui o aspecto sintagmático.

Um dos objetivos no framework LUDI é fornecer subsídios que permitam a análise destes mecanismos gerativos. Como a definição destes mecanismos vem sendo adaptada desde a sua apresentação em Pustejovsky (1991), é importante ressaltar como eles estão sendo considerados aqui. Seguimos a classificação apresentada em Pustejovsky (2006) e usada por Jezek e Lenci (2007), que consideram como questão chave a seleção argumental. Neste sentido, os mecanismos discutidos são a seleção (englobando as operações de pura seleção e acomodação) e a coerção de  tipo (subdividido nas operações de exploração e introdução).

A pura seleção ocorre quando o tipo que uma função (via verbo) requer dos seus argumentos é diretamente satisfeito pelo tipo do argumento. Na acomodação o tipo que a função requer é herdado através do tipo do argumento. Na coerção ocorre um choque sintagmático entre o tipo que uma função requer e o tipo do argumento. Quando isto acontece, ou a interpretação pode falhar completamente, ou então o tipo requerido é “imposto” ao argumento. Isto é obtido através da exploração ou da introdução. Na exploração o tipo requerido corresponde a parte da estrutura qualia do argumento. Um subcomponente do tipo do argumento é acessado para satisfazer os requisitos do predicado. Na introdução, o tipo requerido é mais rico que o tipo do argumento. O argumento é “empacotado” ou “envolvido” (wrapped) com o tipo requerido pelo predicado. Globalmente a teoria agora permite 9 possibilidades (Tabela 6). Além destas operações, que preservam o domínio, a TLG também inclui a co-composição, que licencia novas interpretações do predicado no contexto. Como ressaltado por Jezek e Lenci (2007)), uma vez que tanto a seleção quanto a co-composição podem operar simultaneamente no mesmo contexto sintagmático, o quadro de “o que acontece onde” na combinação de palavras, conforme vai ocorrendo a construção do significado, não é algo fácil de reconstruir.

Tabela 6 – Operações de composição da TLG.

Alguns exemplos, adaptados de Pustejovsky (2006), ajudam a compreender as interações entre estas operações. Nas sentenças em (7.1), os tipos dos argumentos são indicados entre parênteses, sendo que o símbolo representa um tipo unificado (com x=T para télico e x=A para agentivo) e o símbolo · representa um tipo complexo.

(7.1) (a) A pedra caiu no chão. (phys)
(b) A comida estragou. (phys ⊗ T comer)
(c) O livro caiu no chão. (phys · info ler ⊗A escrever )
(d) A água estragou. (phys)

O mecanismo no exemplo (7.1)(a) é de pura seleção: o verbo <cair> requer um argumento do tipo físico e <pedra> é um tipo natural e físico. O mecanismo no exemplo (7.1)(b) também é pura seleção: o verbo <estragar> seleciona uma entidade artefatual como sujeito e <comida> atende este requisito. O mecanismo no exemplo (7.1)(c) é de exploração: <cair> seleciona um objeto físico e parte da estrutura qualia de <livro> (que é do tipo unificado) atende ao requisito. Finalmente, o exemplo (7.1)(d) apresenta uma introdução: <estragar> requer uma entidade artefatual, mas <água> é do tipo simples (natural). Para satisfazer os requisitos de tipo do predicado, é necessário a coerção, que vai “empacotar” o tipo natural com uma interpretação funcional, ou seja, para que a sentença faça sentido, a água deve estar sendo usada para alguma coisa (qualia télico). Este é o tipo de análise que o framework LUDI pretende possibilitar, através do alinhamento da FrameNet e da ontologia SIMPLE.