O concreto, como muitos sabem, é basicamente o resultado da mistura de água, cimento, pedra e areia. O cimento, ao ser hidratado pela água, forma uma pasta resistente que adere à pedra e à areia, criando um bloco monolítico. A dosagem de cada elemento (chamado “traço”) é fundamental. Engenheiro Civil sem nunca ter exercido a profissão, nesta breve anotação vou comparar – estranhamente – a caridade com o concreto.
Embora a caridade já tenha sido esquadrinhada de todas as formas possíveis, aqui ela será encarada sob três perspectivas: material, intelectual e moral.
Caridade material
A caridade material, a mais conhecida, discutida e praticada, é a pedra do concreto.
No concreto, a pedra é o elemento de maior tamanho,que ocupa mais espaço, que ressalta mais. Sua função é estrutural, aumentando a resistência à compressão e ao desgate. No entanto, o uso excessivo de pedras cria muito buracos vazios, o que acaba gerando um resultado contrário, diminuindo a resistência.
De forma semelhante, a caridade material tem uma função estrutural para o Espírito. É ela que permite as primeiras experiências de superação do egoísmo e as primeiras noções do que é o Bem. A caridade material também se apresenta em diversas expressões diferentes, assim como as pedras apresentam granulometria distinta. Além disso, a caridade material em excesso acaba gerando vazios que precisam ser preenchidos.
Caridade material é, sobretudo, transferência. A gente transfere algo que temos para quem não tem. Neste processo, é o outro que é beneficiado.
Caridade intelectual
Quase ninguém fala da caridade intelectual. Ela consiste, basicamente, em você oferecer do seu tempo para ensinar alguma coisa a alguém. Alguma coisa boa e útil, claro. A caridade intelectual é a areia do concreto.
No concreto, a areia é o elemento que ocupa parte do espaço vazio entre as pedras. Ela tem um papel importante na garantia de qualidade da mistura final. As condições em que se apresenta impactam características como a resistência, a durabilidade e a trabalhabilidade do concreto.
De forma semelhante, a caridade intelectual tem a função de preencher os vazios deixados pela pura caridade material. Em muitas circunstâncias, o conhecimento será mais importante para o beneficiado, a longo prazo, do que a simples ajuda imediata. A velha história do ensinar a pescar ao invés de dar só o peixe. Apesar desta importância, muita gente não encara as palestras, grupos de estudos, artigos e livros como exercício de caridade. Mas eles são.
Caridade intelectual é, sobretudo, compartilhamento. A gente compartilha o que sabe com aquele que não sabe. Neste processo, ambos são beneficiados.
Caridade moral
A caridade moral é a meta de todo mundo. Sintetizada em O Livro dos Espíritos (1) como benevolência, indulgência e perdão, ela, na verdade é mais ampla que isso. A caridade moral é o cimento do concreto.
No concreto, o cimento é o elemento que confere as propriedades de rigidez e aglutinação necessárias. Ele ocupa os espaços vazios deixado pelas pedras e areia. O cimento é um pó fino que se enrijece ao entrar em contato com a água. Depois de endurecido, esse material não volta a se decompor.
De forma semelhante, a caridade moral consolida a prática da caridade pelo Espírito. É ela quem dá a força, a coragem, a autoridade e o equilíbrio, fatores essenciais para o crescimento espiritual. Força para superar a diversidade do meio, coragem para sobrepor-se às próprias tendências negativas, autoridade conquistada pelo exemplo, equilíbrio para tomar as decisões difíceis. Uma vez que o Espírito começa o verdadeiro exercício da caridade moral, ele não retrocede às suas limitações anteriores.
Caridade moral é, sobretudo, aprendizado. A gente oferece aquilo que somos para aquele que é diferente de nós. Neste processo, somos nós os beneficiados.
E a água?
Pedra e areia são inertes em relação à água. Elas apenas ficam molhadas. É no cimento que a água provoca a reação química que vai dar origem às características do concreto.
A água é a vontade. Podemos realizar a caridade material e a caridade intelectual movidos pela vontade, mas sem que isso realize transformação pessoal alguma. É no exercício da caridade moral que a vontade mostra sua força. É quando realmente começamos a aprender alguma coisa. É quando torna-se possível ver uma mudança para melhor. É somente aí que a caridade alcança sua finalidade maior. É quando a caridade se torna concreta.
Referência
(1) O Livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 886.